terça-feira, 9 de agosto de 2016

Crianças de hoje não são as de antigamente


Fomos filhos, somos pais. Será verdade que as nossas crianças dão mais problemas do que nós demos aos nossos pais?
O mundo mudou. As crianças também. É comum ouvir os pais de hoje dizerem que os filhos são piores do que eles foram. As famílias enfrentam situações nunca antes protagonizadas. Uma ideia parece ganhar terreno: a de que antigamente as crianças davam menos problemas. 

Será mesmo assim? Os avós parecem acreditar nisso. “As crianças davam menos problemas porque os pais de antigamente ficavam quase com o exclusivo dos problemas”, diz Eduardo Sá, psicanalista e autor de vários livros dedicados à psicologia infantil. “Os pais davam mais problemas do que quaisquer crianças juntas.” 

Outros tempos. Outros modos de entender a parentalidade. Os pais de antigamente tinham outras maneiras de criar os filhos. “Aquela ideia ditatorial de educação, do respeito sinónimo de medo fazia com que os pais dessem tantos problemas às crianças que elas não tinham oportunidade de dar problemas aos pais”, explica Eduardo Sá. 

Muitos artigos sobre o tema da parentalidade, bem como livros de referência, se escrevem sobre a dificuldade de dizer: “Não!” Os consultórios enchem-se de casos de pais que não conseguem lidar com birras e maus comportamentos. É um drama familiar frequente. Mas há uma razão para essa aparente “incapacidade”. 

Para Eduardo Sá, “se, hoje, os novos pais têm tanta dificuldade em lidar com a autoridade, em dizer não ao filho quando convictamente acham que é não, é porque se calhar no seu crescimento as experiências de autoridade que tiveram não foram as mais bondosas nem aquelas que os ajudaram mais a crescer”. 

Mas há quem acrescente outra perspetiva a este debate. Não são as crianças que estão mais difíceis. Os pais é que andam muito mais preocupados. Por tudo e por nada. “A primeira função de uma criança é dar problemas aos pais, porque isso obriga-os a crescer, a tornarem-se sábios”, tranquiliza o psicólogo. Cabe aos pais, então, “pegar em tudo aquilo que já sabem e tornarem isso uma janela para aprenderem mais alguma coisa”. 

Ninguém esperaria que os meninos do século XXI fossem iguais aos do século XIX. Mas quando os filhos são um desassossego, os pais tendem a comparar o “trabalho” que têm com o que deram aos seus próprios pais. E a conclusão é quase sempre a de que “não deram trabalho nenhum”. 

Mas a visão do que é ser pai e mãe também mudou. “É muito importante que os pais tenham a noção de que as crianças de hoje são mais acutilantes porque os pais são melhores”, tranquiliza Eduardo Sá. 

Educar no contraditório
Ponha o dedo no ar o pai ou a mãe que nunca leram um artigo sobre psicologia infantil. Ou, simplesmente, procurou num motor de pesquisa alguma luz sobre o tópico “birras”. Nunca como agora se publicaram tantos títulos sobre como educar as crianças ou simplesmente fazê-las felizes. 

O ditado que dizia ser preciso uma aldeia inteira para criar uma criança caiu em desuso. Agora, parece que nada de bom é possível sem uma estante cheia de livros de psicologia, educação e pediatria. 

Afinal, quantos livros é preciso ler para criar uma criança? Perguntámos a Eduardo Sá. “Vou falar contra mim (risos), eu não lia nenhum.” O psicólogo acredita que os pais “têm um sexto sentido” que os ajuda a par do seu próprio “contraditório”, outra peça-chave para esta engrenagem. “Ouço muitos pais dizerem que não têm sempre a mesma opinião sobre as questões que se relacionam com os filhos. Eu digo: fantástico, essa é a vantagem de se ter um pai e uma mãe!” 

Pais que lembram as personagens Dupont e Dupont, de As Aventuras de TinTim, assustam Eduardo Sá: “Tenho medo dos pais em que um diz uma coisa e o outro a mesma coisa”. Educar uma criança num contraditório não seria possível sem mais duas figuras absolutamente contraditórias: “Juntava também os avós que são as pessoas mais desorganizadas do mundo porque se vingam das asneiras que fizeram permitindo aos netos aquilo que nunca permitiram aos filhos”. 

Quando esta soma de opiniões e contradições se instaurar na família, os pais estarão preparados para começar a ler o que dizem os especialistas sobre as mais diversas questões ligadas a tudo e a mais alguma coisa. “Se este contraditório funcionar, leiam a seguir todos os livros que quiserem porque aí já estão de mente aberta”, recomenda o psicólogo Eduardo Sá. 

Mas, adverte, “se estão à espera de não escutar ninguém e de aprender a ser pais só nesse registo íntimo de uma leitura, esqueçam! Porque isso significa que vão ser tecnocratas em paternidade, mas não pais!”

Fonte: www.educare.pt

Nenhum comentário:

Postar um comentário